VALENTIN, Fernanda
NASCIMENTO, Sandra Rocha do
Escola de Música e Artes Cênicas - UFG
(Trabalho apresentado no Simpósio da Faculdade de Educação/UFG-2011)
Os índices de
violência nas escolas mantêm-se ascendentes, inviabilizando os processos
de ensino-aprendizagem e proporcionando, a curto prazo, a ampliação de
situações de conflitos entre os sujeitos da comunidade escolar. Continuamente
os educadores se queixam sobre a falta de preparo para lidar com as situações
de conflito que convergem para atitudes agressivas, se percebendo fragilizados
emocionalmente e com sérias dificuldades em realizar ações conjuntas.
Não preparados para o
enfrentamento dessas situações, como conseqüência, podem ocorrer diversos sintomas de
adoecimento, tais como: presença acentuada de abstenseísmo,
estresse, ansiedade, depressões, desajustamento no grupo, Síndrome do Pânico e
a Síndrome de Bournout (MARTINS, 2007).
Dentro do contexto
escolar, com a diversidade de atores que o compõe, cada qual em seu lócus
de atuação, as situações de violência ora adquirem significações semelhantes,
ora contrárias e mesmo contraditórias.
Segundo Abramovay
(2003), não existe um consenso sobre o significado de violência, dificultando a
definição e sendo delimitado pela unidade de ensino e seus atores. Para a
autora, “a percepção da violência no meio escolar muda de acordo com o olhar
pelo qual esse meio é abordado” (p.21), isto é, “o que é caracterizado como
violência varia em função do estabelecimento escolar, do status de quem
fala (professores, diretores, alunos, etc), da idade e , provavelmente, do
sexo” (ibidi.).
Assim como as
representações, as ações dos diversos atores frente as situações de violência
escolar também se diferenciam. Abramovay (2003) afirma que para compreendermos
a violência escolar se faz necessário considerar as variáveis endógenas e
exógenas em sua conformação. Como questões exógenas, diversos aspectos externos
são considerados: as questões de gênero, as relações raciais, as
características familiares, a influência dos meios de comunicação, o espaço
social das escolas etc. Referente aos aspectos internos, fatores como: a idade
e a série ou nível de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina dos
projetos das escolas e o impacto do sistema de punições adotado pela mesma, o
comportamento dos professores em relação aos alunos e a prática educacional.
A autora enfatiza,
ainda, que “embora os fatores externos tenham impacto e influência sobre a
violência escolar, é preciso tomar cuidado com o fator de que, dentro da
própria escola, existem possibilidades de lidar com as diferentes modalidades
de violência e de construir culturas alternativas pela paz, adotando
estratégias e capital da própria escola” (op.cit., p.25).
Patto (2005) sustenta
que além de considerarmos a violência nas escolas se faz
necessário levar em conta a violência das escolas, apontando que
existem três formas básicas em sua configuração que levam, principalmente, ao
desrespeito da categoria profissional dos professores: os baixos salários, a má
qualidade dos cursos de formação e a exclusão dos docentes dos processos
decisórios. Devido a esses fatores e muitos outros aspectos, o ambiente escolar
tornou-se um espaço de mútua culpabilização e desrespeito, onde os diversos
atores imputam uns aos outros a culpa pela violência escolar. No entanto, a autora
afirma que a “vítima” de toda essa violência são TODOS os sujeitos que
trabalham e convivem nas escolas.
Dentro dos espaços
escolares, muitas propostas de resolutividade encontram-se sustentadas na
lógica ameaça-punição ou na racionalidade, buscando por explicativas que
favoreçam ações gerais, planejadas para qualquer situação de conflito sem
considerar as especificidades de cada cincunstância.
Apontanto para outra
perspectiva, alguns autores (PATTO, 2005; ABRAMOVAY, 2003) avançam em outras
proposições de resolutividade. Patto (2005) sustenta que, “a única atitude
coerente a tomar é repensar, com honestidade de propósitos e com a participação
de todos os integrantes da vida escolar (...) para que se possa identificar
corretamente o inimigo e romper o circulo vicioso de acusações mútuas” (p.36).
Para Abramovay (2003), “é justamente por sua complexidade e multiplicidade de
facetas que a compreensão do fenômeno das violências nas escolas impõe o
desafio de uma ótica transdisciplinar, multidimensional e pluricausal” (p.27).
A partir dessas
considerações, compreendemos que se faz urgente encontrar soluções de cunho
humanístico para essa problemática, considerando que outras dimensões do ser
humano influenciam na compreensão sobre a violência. Dentre esses, os fatores
subjetivos dos profissionais da educação pouco são enfocados pelos teóricos,
centrando suas explicativas principalmente sobre os fatores socias.
Sustentamos que não
considerar os fatores subjetivos reduz a compreensão sobre a violência nas escolas,
fator que corrobora também para uma resolução reduzida em poucos aspectos.
Desta forma, não excluimos a dimensão subjetiva dos docentes quando
buscamos compreender sobre os
multifatores que levam às situações de violência nas escolas, bem a consideramos
quando das possibilidades de resolução dos conflitos.
Diante dessa
perspectiva, desenvolvemos um projeto piloto na rede educacional do Governo do Distrito
Federal com o objetivo de qualificar docentes, a partir da mediação da
musicoterapia, para o enfrentamento da violência nas escolas e o manejo
das diferentes situações correlacionadas. Em decorrência de alguns estudos
desenvolvidos no FIB-DF 2007 e 2008 (1), efetivamos a construção do Projeto de
Extensão intitulado “Ressignificando a Educação: espaços e tempos de Paz
mediados pela Musicoterapia”(2), desenvolvido através da cooperação
interinstitucional entre o Programa Mais Educação/MEC, o CEAM/UnB e a EMAC/UFG.
A
Musicoterapia, enquanto projeto diferenciado na formação continuada de professores,
propõe experiências musicais
musicoterapêuticas (técnicas e procedimentos musicoterápicos) nas quais a música aparece como elemento principal de
sensibilização e criatividade, propiciando, na maioria das vezes, diversas
transformações. Objetivamos, com este trabalho, melhorar o auto-conhecimento e
a percepção sobre os demais atores participantes do processo
ensino-aprendizagem (alunos, colegas, funcionários e gestores),
possibilitando, ao educador, a
oportunidade de re-significar sua
prática docente.
Numa perspectiva humanística, a proposta de inserção da Musicoterapia
nas iniciativas de qualificação docente visa resgatar e desenvolver habilidades
e competências intrapessoais e interpessoais no sentido de criar ambientes
educativos mais pacíficos. A proposta de
inserção da Musicoterapia na formação continuada dos docentes utilizou o modelo
de Educação de Laboratório (ARGYRYS apud MOSCOVICI,2008), o qual fundamenta-se
na ideia de que os indivíduos, ao vivenciarem situações e/ou experiências,
poderão conhecer melhor os próprios limites, preferências e características
pessoais, e assim agir de forma diferenciada. O foco do aprendizado recaiu
sobre a dimensão das atitudes manifestadas na relação educativa, englobando
funções e experiências cognitivas e afetivas, em um ciclo de quatro etapas
sequenciais e interdependentes: atividade, análise, conceituação e conexão com
a realidade.
Como
aspecto diferenciador, a aprendizagem vivencial incluiu experiências musicais
musicoterapêuticas, isto é, através da música, do som e do movimento os
participantes vivenciaram o processo grupal, conduzindo à compreensão dos
fenômenos subjetivos e à aceitação da diversidade de expressões emergentes. Nesse espaço musicoterápico são desenvolvidas atividades que
valorizam a auto-expressão e a interação grupal, possibilitando o resgate de
elementos motivacionais internos e externos, o que interfere sobremaneira nas
relações intra e interpessoais.
Diversos temas foram abordados durante os momentos de teorização, tais
como: representações sociais; a escuta sensível, percepção sobre outras pessoas
e profecia auto-realizadora; professor reflexivo; habilidades interpessoais;
competição e cooperação; dinâmica e coordenação de grupos; estilos de
comunicação; motivação e resistências humanas; autoritarismo e autoridade na
relação educativa; mémórias e ludicidade; entre outros temas.
Obtiveram-se como resultados o
resgate e desenvolvimento de habilidades e competências intra e interpessoais e
a ressignificação das representações sobre os diversos fenômenos vivenciados.
Junto aos docentes, observamos ganhos substanciais, principalmente no que tange
à conscientização da importância de se resgatar o sensível no âmbito escolar e
ao proporcionar reflexões sobre a prática pedagógica
numa abordagem humanista, mediada pela Musicoterapia. Dentre os aspectos
alcançados, emergiu a mudança na escuta e no olhar docente sobre seus
alunos, evidenciada diversas falas tais como:
“aprendi que para ensinar é preciso escutar o outro”. Mudanças pessoais e
de condutas frente as situações de conflito, através de posturas de
reflexão e ressignificação sobre a pratica pedagógica e um aumento da
autopercepção frente as circunstâncias vivenciadas também foram amplamente
verificadas.
Os dados obtidos
apontaram para os seguintes resultados quali-quantitativos: 92,85% dos
participantes evidenciaram um aumento da reflexão e autopercepção com
falas que expressavam conteúdos como: “Fico às vezes, surpresa com as
descobertas que faço de mim mesma, das dinâmicas e as emoções e sentimentos
experimentados”; 28% dos participantes perceberam mudanças pessoais e de
conduta, expressando discursos como “no meu dia-a-dia me pego pensando e
tentando mudar o meu ‘eu’ e a partir daí entrar numa sintonia com o ‘outro’”.
Referente à abrangência do mini curso para o trabalho pedagógico, 71,42%
dos educadores afirmaram ouvir os alunos de maneira diferenciada, afirmando
“muito que aqui aprendi e irei aprender estará nos gestos, atitudes e posturas
diante de meus alunos”; 28,57% dos professores se perceberam estimulados a
ensinar seus alunos, expressos como “levar aos alunos oportunidade de se
perceberem e perceberem ao outro; 87,5% afirmaram perceberem-se adquirindo a
capacidade de ouvir os alunos de maneira diferenciada, com expressões como “aprendi
que para ensinar é preciso escutar o outro”.
Percebendo o
potencial e a abrangência da Musicoterapia na formação continuada dos
educadores, acredita-se que esta iniciativa possa viabilizar outras
propostas a serem desenvolvidas e ampliadas dentro de uma política pública
nacional voltada à humanização dos espaços escolares, fazendo emergir ambientes
mais pacíficos.
O ser humano é uma espécie que se
diferencia das demais, principalmente, por sua subjetividade. Ele se utiliza de
diversas formas de linguagem para se relacionar no mundo - gestos, sinais,
palavras, sons, gritos, silêncios, cores, músicas etc. Nos casos de violência, muitos são os
conteúdos que ficam no campo do não-dito. Abrir outros canais de comunicação
através do não-verbal e da música, particularmente, pode propiciar a
externalização de conteúdos guardados, e, conseqüentemente, promover mudanças
(NASCIMENTO e CRAVEIRO DE SÁ, 2009).
Tanto o aluno quanto o professor,
atores essenciais no processo de ensino-aprendizagem, podem se beneficiar da
Musicoterapia por meio das sensibilizações, projeções e representações
agenciadas pela música e seus elementos constitutivos. As experiências musicais
interativas oportunizam a aceitação de expressões emergentes, da diversidade,
possibilitando a ressignificação da prática pedagógica.
Na fala de um dos
educadores, ao final do mini curso, encerra-se o alcance dessa nova perspectiva
na formação continuada: “Este curso acrescentou mais leveza e
criatividade a minha vida pessoal e profissional. Neste curso tive a
oportunidade de parar, pensar e buscar me encontra saber quem sou plenamente.
Pude perceber características a serem melhorada e outras a serem ressaltadas.
Características profissionais que foram “apagadas”. Sinto-me mais preparada
para lidar com o mundo novo da educação”. Em continuidade, outro educador
ressalta: “Rever a minha prática, estender o curso aos professores da rede –
mostrando a importância da prática mais dinâmica, do escutar, da criatividade,
ter expectativas positivas, trabalhar a afetividade, contribui para que a escola
seja lugar prazeroso, e a educação tenha QUALIDADE!”
Percebendo o
potencial e a abrangência deste projeto em gerar conhecimento sobre a
aplicabilidade da Musicoterapia na Educação, acredita-se que esta iniciativa
possa viabilizar outras propostas a serem desenvolvidas e ampliadas
dentro de uma política pública nacional voltada à humanização dos espaços
escolares.
Referências
ABRAMOVAY, Miriam. Violência
nas escolas: versão resumida. Miriam Abramovay et alii. Brasília: UNESCO
Brasil, REDE PITÁGORAS, Instituto Ayrton Senna, UNADIS, Banco Mundial, USAID,
Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2003.
MARTINS, L. M. A formação social da personalidade do
professor: um enfoque vigotskiano. Campinas: SP: Autores Associados, 2007.
– (Coleção formação de professores).
MOSCOVICI,
Fela. Desenvolvimento Interpessoal. Treinamento em Grupo. 17ª Ed. Rio de
Janeiro: José Olympio, 2008.
NASCIMENTO, S. R.; CRAVEIRO DE SÁ,
L. Musicoterapia: ressignificando o Ato Pedagógico. In: Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia. Curitiba:
AMTPR, 2009.
PATTO, Maria Helena
de Souza. Exercícios de Indignação: escritos de Educação e Psicologia.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
______________________
(1) Nos anos de 2007
e 2008 foi desenvolvido um projeto inserindo a Musicoterapia na capacitação
continuada para docentes da rede pública do GDF (Governo do Distrito Federal),
em que foram realizados mini-cursos no Festival Internacional de Inverno de
Brasília – FIB, sob a coordenação geral da Profª Ms. Beatriz Salles/ UnB. Ao
término dos mini cursos foram apresentados trabalhos pelas musicoterapeutas
Leomara Craveiro de Sá e Sandra Rocha do Nascimento, em eventos científicos
tais como: Seminário Nacional de Pesquisa em Música-EMAC/UFG, 2008; Simpósio da
Faculdade de Educação – UFG, 2008; XIII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia,
UBAM, 2009).
(2) Formaram-se duas
equipes para a efetivação do projeto: a Equipe Coordenadora, contando com os
musicoterapeutas Leomara Craveiro de Sá,
Sandra Rocha do Nascimento, Fernanda Valentin e Alexandre Ariza Gomes Castro; e a Equipe Executora, contando com os
musicoterapeutas facilitadores Mônica Selma Deiss Zimpel, Renato Valim de
Paiva, Abiail Batista Rodrigues Alecrim Nascimento. O projeto teve início em
Dezembro de 2009 com o treinamento da equipe executora do projeto, contando com
a participação de 19 musicoterapeutas residentes nas cidades de Brasília e
Goiânia. Em Abril de 2010 iniciou-se o mini curso vivencial em duas escolas do
Distrito Federal, atingindo diferentes pólos. O Pólo 1, atendendo aos
professores das escolas da região de Taguatinga, Brasilêndia, Ceilândia e
Samambaia; e o Pólo 2, atendendo a região de Sobradinho, Paranoá, Planaltina e
São Sebastião. Foram efetivados oito módulos, em que a cada módulo do
curso, ministrado quinzenalmente em dois
períodos, contemplou a carga horária de oito horas.
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