segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A MEDIAÇÃO DA MUSICOTERAPIA PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS: RESSIGNIFICANDO A FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES



VALENTIN, Fernanda
NASCIMENTO, Sandra Rocha do
 Escola de Música e Artes Cênicas - UFG
(Trabalho apresentado no Simpósio da Faculdade de Educação/UFG-2011)


 Os índices de violência nas escolas mantêm-se ascendentes, inviabilizando  os processos de ensino-aprendizagem e proporcionando, a curto prazo, a ampliação de situações de conflitos entre os sujeitos da comunidade escolar. Continuamente os educadores se queixam sobre a falta de preparo para lidar com as situações de conflito que convergem para atitudes agressivas, se percebendo fragilizados emocionalmente e com sérias dificuldades em realizar ações conjuntas.
Não preparados para o enfrentamento dessas situações, como conseqüência,  podem ocorrer diversos sintomas de adoecimento, tais como: presença acentuada de abstenseísmo, estresse, ansiedade, depressões, desajustamento no grupo, Síndrome do Pânico e a Síndrome de Bournout (MARTINS, 2007).
Dentro do contexto escolar, com a diversidade de atores que o compõe, cada qual em seu lócus de atuação, as situações de violência ora adquirem significações semelhantes, ora contrárias e mesmo contraditórias.
Segundo Abramovay (2003), não existe um consenso sobre o significado de violência, dificultando a definição e sendo delimitado pela unidade de ensino e seus atores. Para a autora, “a percepção da violência no meio escolar muda de acordo com o olhar pelo qual esse meio é abordado” (p.21), isto é, “o que é caracterizado como violência varia em função do estabelecimento escolar, do status de quem fala (professores, diretores, alunos, etc), da idade e , provavelmente, do sexo” (ibidi.).
Assim como as representações, as ações dos diversos atores frente as situações de violência escolar também se diferenciam. Abramovay (2003) afirma que para compreendermos a violência escolar se faz necessário considerar as variáveis endógenas e exógenas em sua conformação. Como questões exógenas, diversos aspectos externos são considerados: as questões de gênero, as relações raciais, as características familiares, a influência dos meios de comunicação, o espaço social das escolas etc. Referente aos aspectos internos, fatores como: a idade e a série ou nível de escolaridade dos estudantes, as regras e a disciplina dos projetos das escolas e o impacto do sistema de punições adotado pela mesma, o comportamento dos professores em relação aos alunos e a prática educacional.
A autora enfatiza, ainda, que “embora os fatores externos tenham impacto e influência sobre a violência escolar, é preciso tomar cuidado com o fator de que, dentro da própria escola, existem possibilidades de lidar com as diferentes modalidades de violência e de construir culturas alternativas pela paz, adotando estratégias e capital da própria escola” (op.cit., p.25).
Patto (2005) sustenta que além de considerarmos a violência nas escolas se faz necessário levar em conta a violência das escolas, apontando que existem três formas básicas em sua configuração que levam, principalmente, ao desrespeito da categoria profissional dos professores: os baixos salários, a má qualidade dos cursos de formação e a exclusão dos docentes dos processos decisórios. Devido a esses fatores e muitos outros aspectos, o ambiente escolar tornou-se um espaço de mútua culpabilização e desrespeito, onde os diversos atores imputam uns aos outros a culpa pela violência escolar. No entanto, a autora afirma que a “vítima” de toda essa violência são TODOS os sujeitos que trabalham e convivem nas escolas.
Dentro dos espaços escolares, muitas propostas de resolutividade encontram-se sustentadas na lógica ameaça-punição ou na racionalidade, buscando por explicativas que favoreçam ações gerais, planejadas para qualquer situação de conflito sem considerar as especificidades de cada cincunstância.
Apontanto para outra perspectiva, alguns autores (PATTO, 2005; ABRAMOVAY, 2003) avançam em outras proposições de resolutividade. Patto (2005) sustenta que, “a única atitude coerente a tomar é repensar, com honestidade de propósitos e com a participação de todos os integrantes da vida escolar (...) para que se possa identificar corretamente o inimigo e romper o circulo vicioso de acusações mútuas” (p.36). Para Abramovay (2003), “é justamente por sua complexidade e multiplicidade de facetas que a compreensão do fenômeno das violências nas escolas impõe o desafio de uma ótica transdisciplinar, multidimensional e pluricausal” (p.27).
A partir dessas considerações, compreendemos que se faz urgente encontrar soluções de cunho humanístico para essa problemática, considerando que outras dimensões do ser humano influenciam na compreensão sobre a violência. Dentre esses, os fatores subjetivos dos profissionais da educação pouco são enfocados pelos teóricos, centrando suas explicativas principalmente sobre os fatores socias.
Sustentamos que não considerar os fatores subjetivos reduz a compreensão sobre a violência nas escolas, fator que corrobora também para uma resolução reduzida em poucos aspectos. Desta forma, não excluimos a dimensão subjetiva dos docentes quando buscamos  compreender sobre os multifatores que levam às situações de violência nas escolas, bem a consideramos quando das possibilidades de resolução dos conflitos.
Diante dessa perspectiva, desenvolvemos um projeto piloto na rede educacional do Governo do Distrito Federal com o objetivo de qualificar docentes, a partir da mediação da musicoterapia,  para o enfrentamento da violência nas escolas e o manejo das diferentes situações correlacionadas. Em decorrência de alguns estudos desenvolvidos no FIB-DF 2007 e 2008 (1), efetivamos a construção do Projeto de Extensão intitulado “Ressignificando a Educação: espaços e tempos de Paz mediados pela Musicoterapia”(2), desenvolvido através da cooperação interinstitucional entre o Programa Mais Educação/MEC, o CEAM/UnB e a EMAC/UFG.
            A Musicoterapia, enquanto projeto diferenciado na formação continuada de professores, propõe  experiências musicais musicoterapêuticas (técnicas e procedimentos musicoterápicos) nas quais  a música aparece como elemento principal de sensibilização e criatividade, propiciando, na maioria das vezes, diversas transformações. Objetivamos, com este trabalho, melhorar o auto-conhecimento e a percepção sobre os demais atores participantes do processo ensino-aprendizagem (alunos, colegas, funcionários e gestores), possibilitando,  ao educador, a oportunidade de re-significar sua  prática docente.
            Numa perspectiva humanística, a proposta de inserção da Musicoterapia nas iniciativas de qualificação docente visa resgatar e desenvolver habilidades e competências intrapessoais e interpessoais no sentido de criar ambientes educativos  mais pacíficos. A proposta de inserção da Musicoterapia na formação continuada dos docentes utilizou o modelo de Educação de Laboratório (ARGYRYS apud MOSCOVICI,2008), o qual fundamenta-se na ideia de que os indivíduos, ao vivenciarem situações e/ou experiências, poderão conhecer melhor os próprios limites, preferências e características pessoais, e assim agir de forma diferenciada. O foco do aprendizado recaiu sobre a dimensão das atitudes manifestadas na relação educativa, englobando funções e experiências cognitivas e afetivas, em um ciclo de quatro etapas sequenciais e interdependentes: atividade, análise, conceituação e conexão com a realidade.
            Como aspecto diferenciador, a aprendizagem vivencial incluiu experiências musicais musicoterapêuticas, isto é, através da música, do som e do movimento os participantes vivenciaram o processo grupal, conduzindo à compreensão dos fenômenos subjetivos e à aceitação da diversidade de expressões emergentes. Nesse espaço musicoterápico são desenvolvidas atividades que valorizam a auto-expressão e a interação grupal, possibilitando o resgate de elementos motivacionais internos e externos, o que interfere sobremaneira nas relações intra e interpessoais.
            Diversos temas foram abordados durante os momentos de teorização, tais como: representações sociais; a escuta sensível, percepção sobre outras pessoas e profecia auto-realizadora; professor reflexivo; habilidades interpessoais; competição e cooperação; dinâmica e coordenação de grupos; estilos de comunicação; motivação e resistências humanas; autoritarismo e autoridade na relação educativa; mémórias e ludicidade; entre outros temas.
Obtiveram-se como resultados o resgate e desenvolvimento de habilidades e competências intra e interpessoais e a ressignificação das representações sobre os diversos fenômenos vivenciados. Junto aos docentes, observamos ganhos substanciais, principalmente no que tange à conscientização da importância de se resgatar o sensível no âmbito escolar e ao proporcionar reflexões sobre a prática pedagógica numa abordagem humanista, mediada pela Musicoterapia. Dentre os aspectos alcançados, emergiu a  mudança na escuta e no olhar docente sobre seus alunos, evidenciada diversas falas  tais como:  “aprendi que para ensinar é preciso escutar o outro”. Mudanças pessoais e de condutas frente as situações de conflito, através de posturas de  reflexão e ressignificação sobre a pratica pedagógica e um aumento da autopercepção frente as circunstâncias vivenciadas também foram amplamente verificadas.
Os dados obtidos apontaram para os seguintes resultados quali-quantitativos: 92,85% dos participantes evidenciaram um aumento da reflexão e autopercepção com falas que expressavam conteúdos como: “Fico às vezes, surpresa com as descobertas que faço de mim mesma, das dinâmicas e as emoções e sentimentos experimentados”; 28% dos participantes perceberam mudanças pessoais e de conduta, expressando discursos como “no meu dia-a-dia me pego pensando e tentando mudar o meu ‘eu’ e a partir daí entrar numa sintonia com o ‘outro’”. Referente à abrangência do mini curso para o trabalho pedagógico,  71,42% dos educadores afirmaram ouvir os alunos de maneira diferenciada, afirmando “muito que aqui aprendi e irei aprender estará nos gestos, atitudes e posturas diante de meus alunos”; 28,57% dos professores se perceberam estimulados a ensinar seus alunos, expressos como “levar aos alunos oportunidade de se perceberem e perceberem ao outro; 87,5% afirmaram perceberem-se adquirindo a capacidade de ouvir os alunos de maneira diferenciada, com expressões como “aprendi que para ensinar é preciso escutar o outro”.
Percebendo o potencial e a abrangência da Musicoterapia na formação continuada dos educadores,  acredita-se que esta iniciativa  possa viabilizar outras propostas a serem desenvolvidas e ampliadas dentro de uma política pública nacional voltada à humanização dos espaços escolares, fazendo emergir ambientes mais pacíficos.
O ser humano é uma espécie que se diferencia das demais, principalmente, por sua subjetividade. Ele se utiliza de diversas formas de linguagem para se relacionar no mundo -  gestos, sinais, palavras, sons, gritos, silêncios, cores, músicas etc. Nos casos de violência, muitos são os conteúdos que ficam no campo do não-dito. Abrir outros canais de comunicação através do não-verbal e da música, particularmente, pode propiciar a externalização de conteúdos guardados, e, conseqüentemente, promover mudanças (NASCIMENTO e CRAVEIRO DE SÁ, 2009).
Tanto o aluno quanto o professor, atores essenciais no processo de ensino-aprendizagem, podem se beneficiar da Musicoterapia por meio das sensibilizações, projeções e representações agenciadas pela música e seus elementos constitutivos. As experiências musicais interativas oportunizam a aceitação de expressões emergentes, da diversidade, possibilitando a ressignificação da prática pedagógica.
Na fala de um dos educadores, ao final do mini curso, encerra-se o alcance dessa nova perspectiva na formação continuada: “Este curso acrescentou mais leveza e criatividade a minha vida pessoal e profissional. Neste curso tive a oportunidade de parar, pensar e buscar me encontra saber quem sou plenamente. Pude perceber características a serem melhorada e outras a serem ressaltadas. Características profissionais que foram “apagadas”. Sinto-me mais preparada para lidar com o mundo novo da educação”. Em continuidade, outro educador ressalta: “Rever a minha prática, estender o curso aos professores da rede – mostrando a importância da prática mais dinâmica, do escutar, da criatividade, ter expectativas positivas, trabalhar a afetividade, contribui para que a escola seja lugar prazeroso, e a educação tenha QUALIDADE!”
Percebendo o potencial e a abrangência deste projeto em gerar conhecimento sobre a aplicabilidade da Musicoterapia na Educação, acredita-se que esta iniciativa  possa viabilizar outras propostas a serem desenvolvidas e ampliadas dentro de uma política pública nacional voltada à humanização dos espaços escolares.
 Referências
ABRAMOVAY, Miriam. Violência nas escolas: versão resumida. Miriam Abramovay et alii. Brasília: UNESCO Brasil, REDE PITÁGORAS, Instituto Ayrton Senna, UNADIS, Banco Mundial, USAID, Fundação Ford, CONSED, UNDIME, 2003.
MARTINS, L. M. A formação social da personalidade do professor: um enfoque vigotskiano. Campinas: SP: Autores Associados, 2007. – (Coleção formação de professores).
            MOSCOVICI, Fela.  Desenvolvimento Interpessoal. Treinamento em Grupo. 17ª Ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.
NASCIMENTO, S. R.; CRAVEIRO DE SÁ, L. Musicoterapia: ressignificando o Ato Pedagógico. In: Anais do XIII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia. Curitiba: AMTPR, 2009.
PATTO, Maria Helena de Souza. Exercícios de Indignação: escritos de Educação e Psicologia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
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(1) Nos anos de 2007 e 2008 foi desenvolvido um projeto inserindo a Musicoterapia na capacitação continuada para docentes da rede pública do GDF (Governo do Distrito Federal), em que foram realizados mini-cursos no Festival Internacional de Inverno de Brasília – FIB, sob a coordenação geral da Profª Ms. Beatriz Salles/ UnB. Ao término dos mini cursos foram apresentados trabalhos pelas musicoterapeutas Leomara Craveiro de Sá e Sandra Rocha do Nascimento, em eventos científicos tais como: Seminário Nacional de Pesquisa em Música-EMAC/UFG, 2008; Simpósio da Faculdade de Educação – UFG, 2008; XIII Simpósio Brasileiro de Musicoterapia, UBAM, 2009).
(2) Formaram-se duas equipes para a efetivação do projeto: a Equipe Coordenadora, contando com os musicoterapeutas  Leomara Craveiro de Sá, Sandra Rocha do Nascimento, Fernanda Valentin e Alexandre Ariza Gomes Castro; e a Equipe Executora, contando com os musicoterapeutas facilitadores Mônica Selma Deiss Zimpel, Renato Valim de Paiva, Abiail Batista Rodrigues Alecrim Nascimento. O projeto teve início em Dezembro de 2009 com o treinamento da equipe executora do projeto, contando com a participação de 19 musicoterapeutas residentes nas cidades de Brasília e Goiânia. Em Abril de 2010 iniciou-se o mini curso vivencial em duas escolas do Distrito Federal, atingindo diferentes pólos. O Pólo 1, atendendo aos professores das escolas da região de Taguatinga, Brasilêndia, Ceilândia e Samambaia; e o Pólo 2, atendendo a região de Sobradinho, Paranoá, Planaltina e São Sebastião. Foram efetivados oito módulos, em que a cada módulo do curso,  ministrado quinzenalmente em dois períodos, contemplou a carga horária de oito horas.


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