quarta-feira, 23 de novembro de 2022

SONORIDADES QUE CONSTROEM DIÁLOGOS COLABORATIVOS E TRANS-FORMAÇÕES NO ESTAR-VIVER-CONSTRUIR COMUNITÁRIO: A MUSICOTERAPIA SOCIAL NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

 NASCIMENTO, Sandra Rocha do; MENDES, Mariana Macedo; GONTIJO, Beatriz  Santos; SANTOS, Hidequel Firmino dos; BORGES, Italo Geortown Gonçalves;  MOREIRA, Raquel Ribeiro Arantes; SANTOS, Rafael Pereira dos.i


A extensão universitária, inserida no tripé indissociável ensino-pesquisa-extensão do ensino superior público no Brasil, obteve em 2018 a  importante conquista de 'curricularização da extensão' através da Resolução  CNE/CES nº 7, de 18/12/2018, oportunizando materializar e dar sustentabilidade a  muitos dos objetivos postos pela Política Nacional de Extensão Universitária (PNEU/MEC, 2012). 

Vasconcelos (2011) afirma que a aproximação e ou participação de  universitários junto aos sujeitos da comunidade é essencial na construção da  Educação Popular. No entanto, se faz necessário ser uma atuação constituída de  um protagonismo efetivo de todos os envolvidos, em prol consolidar práticas sociais  à transformação de realidades locais e dos processos acadêmicos, e expandir a  produção científica sobre tecnologias desenvolvidas, resultados e mudanças sociais.

O projeto de extensão Vida Ativa-EMAC/UFG ii, destinado prioritariamente às  pessoas da terceira idade, com público secundário desde crianças a adultos jovens  bem como os acadêmicos dos cursos envolvidos, configura-se como grupo  intergeracional, implementando ações de promoção da saúde sustentadas na proposta da musicoterapia preventiva psicossocial (Pellizzari & Rodriguez, 2005;  Pellizzari, 2011) com ênfase no diálogo colaborativo e no fortalecimento de atitudes  salutogénicas ou escolhas saudáveis à manutenção da saúde mental e  biopsicosocioemocional. Falar das mudanças nas expressões dos participantes da  comunidade é tentador, sendo usualmente demonstrado nos relatos de experiência  das práticas extensionistas.

Priorizamos, aqui, validar as vozes dos monitores da equipe executora - considerando aqui todos como autores- trazendo suas compreensões por-eles mesmos para demonstrar a influência das ações extensionistas na formação de  cinco acadêmicos do curso de Musicoterapia e um discente da graduação em  Música, através de uma escrita pautada na perspectiva dialógica e colaborativa.

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Consideramos importante explicitar sobre a forma ou a 'estética narrativa'  eleita à construção do artigo. Evidenciamos movimentos semelhantes aos gerados  na extensão à constituição do musicoterapeuta social/comunitário durante a dinâmica de elaboração, quais sejam: a apropriação do próprio discurso, ou seja,  falar na primeira pessoa tornando-nos, todos, protagonistas; falar sobre seus locus de existência e suas percepções singulares sobre os fenômenos observados/vividos;  a presença de diversas e diferenciadas compreensões de cada autoriii, bem como  suas aprendizagens construídas na extensão.

Nossa escolha se sustenta na compreensão do Construcionismo Social, em  específico de J.Schotter, ao afirmar que "quando as pessoas conversam, elas não  estão simplesmente colocando idéias em palavras, nem refletindo a verdade de uma  realidade delas independente. Elas estão construindo sentidos, práticas sociais ou  formas de vida".(Shotter, 2000 apud Guanaes & Japur, 2008, p.118). Propõe a  poética social em pesquisa, previlegiando o "modo como os enunciados se  relacionam e do modo como as pessoas constroem, entre si, numa ação-conjunta,  espontânea e de uso corporificado da linguagem, determinadas realidades  conversacionais".(Guanaes & Japur, 2008, p.119). O pesquisador

/.../vem dar forma ou sentidos aos "momentos marcantes" que  capturaram sua atenção e despertaram seu interesse /.../. Ao dialogar  com outros sentidos de mundo, próprios a sua história conversacional  e à cultura da qual é parte, o pesquisador engendra tentativas de  significação. /.../ criar um senso de experiência copartilhada, que  serve de convite à participação de outros (leitores, pesquisadores,  profissionais) no processo dialógico de construção de conhecimeto.  (Guanaes & Japur, 2008, p.119-120). 

O artigo está estruturado na seguinte estética narrativa: iniciamos com auto apresentações dos autores com suas identidades, i.é., suas cores de experiências  próprias; seguimos com as reflexões, sob análise fenomenológicaiv, de três (3) cenas  do encontro de musicoterapia social/comunitáriav; finalizamos com uma conversação  dialógica e colaborativa entre os autores, evidenciando as interações e  aprendizagens adquiridas através da extensão universitária. 

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Sou Mariana, musicoterapeuta recém formada, trabalhando no Instituto de Musicoterapia  Vida Sonora, oferecendo atendimentos de musicoterapia para grupos ou individual, na  clínica, em domicílio e em instituições, atuando sozinha ou com outros profissionais  musicoterapeutas ou de outras áreas. Tenho experiência em musicoterapia clínica,  hospitalar e comunitária. Amo minha profissão e tenho orgulho de dizer que meu  conhecimento é resultado da formação, intensiva e extensiva, oferecida pela UFG. 

Olá, me chamo Beatriz e sou musicoterapeuta formada pela UFG. Atualmente atendo no  Núcleo de Apoio e Inclusão Autista e sou musicoterapeuta voluntária no Hospital das  Clínicas da UFG. Realizo aperfeiçoamento profissional no CRER e aperfeiçoamento em  Tópicos de Psicobiologia pela USP. Amo música popular e não resisto a uma roda de  chorinho. 

Meu nome é Hidequel, sou graduado em musicoterapia pela UFG e atuo na área clínica,  hospitalar, neurológica e de reabilitação. Na graduação participei de intervenções em projeto  de extensão em musicoterapia comunitária, hospitalar e com musicoterapia vibroacústica.  Gosto de tocar violão, instrumentos percussivos e compor canções. Participo desde a  graduação da banda formada por minha turma, os musicoterapirados, que fazíamos e ainda  fazemos apresentações musicais tocando e cantando canções autorais. 

Oi, me chamo Italo e ainda sou aluno do curso de Musicoterapia da UFG, no “último ano”,  preparando para me formar. A Musicoterapia me proporcionou muitas experiências em um  período de tempo relativamente curto, experiências estas que me transformaram de uma  forma intensa e que levo não somente para a vida profissional, como também para minha  construção como indivíduo. 

Olá, meu nome é Raquel, sou recém formada em Musicoterapia pela UFG e atualmente  trabalho com atendimentos domiciliares e no Núcleo Educacional e Terapêutico Despertar,  atuando na área da reabilitação cognitiva para pacientes com deficiência intelectual. 

Olá, meu nome é Rafael, sou aluno do curso graduação em música/violão na UFG. Eu sou  um apaixonado por música desde criança, gosto muito de pessoas, fascinado pela mente  humana além de acreditar no potencial do Ser. Adoro natureza, holismo e liberdade. Tenho  um profundo desejo de aprender música na sua essência e poder ver além do que as notas  possam descrever. 

Sou Sandra, musicoterapeuta desde 1995, doutora em educação e docente do curso de  Musicoterapia/UFG já transcorridos 13 anos (precedidos por atuações como educadora  musical em escolas públicas e musicoterapeuta em escolas de ensino especializado). Me  defino como uma professora extensionista, pois vejo na extensão universitária espaços 

tempos de trans-formação de pessoas e com pessoas em seu contextos. Como  musicoterapeuta social atuo na perspectiva de promoção da saúde integral e sistêmica em  contextos comunitários, levando a música para fora, para outros lugares, para que acolha e  torne saudável cada Ser Humano em seus contextos de vivência. 


Nos apresentamos, assim, múltiplos, diversos, com interesses e ações  também variadas, e através de nossos textos -em cores e narrativas distintas- 'dizer'  e 'marcar' de inúmeras maneiras que somos diferentes mas complementares.  Seguimos, cada um, num movimento inicial de olhar para os dados através da individualidade no seu dizer.

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Figura 1. Acolhimento inicial dos participantes no grupo Vida Ativa

Vejo três mulheres que participam do grupo Vida Ativa a mais de 2 anos. Elas olham para a  mesma direção e demonstram passar por um momento bom, com grande carga emocional  manifestadas em suas expressões faciais (olhos fechados, cabeça inclinada e o sorriso  mediano). Mariana 

Eu vejo o reencontro das idosas participantes do grupo com a antiga equipe de monitores.  Nesse momento as idosas estão sorrindo e demonstrando expressão de estarem  emocionadas ao ouvirem as canções que fazem parte da história musical do grupo. Beatriz 

Percebo o perfil das mulheres idosas (e as costas de uma menina), todas sentadas e com o  olhar fixo para frente. A primeira idosa (no primeiro plano da imagem) traz um semblante  alegre com um leve sorriso (mas que ainda não "mostrou os dentes") e parece estar  emocionada. A segunda demonstra uma leve expressão de sorriso e olhos semi cerrados. A  terceira está mais introspectiva com pouca expressão de sorriso. Hidequel 

Percebo olhares de satisfação, com expressões faciais que me remetem a serenidade e ao  orgulho de ter alcançado algo de grande valor, transmitindo um significado de unidade no  grupo. Os olhares estão voltados para um ponto que aparentemente comove e promove a  paz que percebo nos semblantes das participantes. Italo 

Observo a expressão de emoção e alegria de uma das idosas, expressão sempre presente  em todos os encontros. Percebo também, o olhar fixo e atento das três demonstrando  interesse e alegria em participar da vivência grupal. A idosa do meio parece estar  acompanhando e cantando junto com o grupo. Raquel 

Olho as três e vejo: uma está com um sorriso emocionado, com a cabeça um pouco  inclinada e olhos bem abertos; outra sorri expressando felicidade e olhos meio fechados e  sorriso contido, mas que parece expressar que algo a deixa animada; e ainda outra está  com os olhos fechados parecendo mais absorta, com a postura reta e reflexiva. Rafael


Figura 2. Experiência musical re-criativa coletiva e outros dispositivos técnico expressivos

Este momento, para mim, retrata movimentos intensos do grupo -físicos, emocionais e  sonoros-, marcados pela variedade de expressões faciais, sorrisos, olhares. Vejo a música  conduzindo a integração das pessoas, numa mistura de idades e subjetividades, mesmo  tendo alguns mais distantes fisicamente. É um espaço colorido, diversificado em idade,  profissão, religião e histórias de vida. Mariana 

Eu visualizo detalhes nas diferentes formas de interações: sonoras, pela voz e instrumentos  musicais; corporais, pelas manifestações de afeto, nos sorrisos, olhares, afagos; e por meio  da escrita, nas marcas de afeto deixadas nas camisetas dos monitores da equipe. Beatriz 

Vejo na imagem de um grupo intergeracional e seus corpos em lugares diferentes dentro de  uma sala: alguns estão sentados em cadeiras próximas às paredes e janelas, outros  sentados no centro da roda tocando instrumentos musicais e cantando, e outros de pé  escrevendo com canetões nas camisetas dos discentes sentados no chão ao centro da  roda. Interagem de formas diferentes, algumas com olhares, outras com toques físicos e  outras com sons. Hidequel 

Para mim é um momento de grande movimentação: de tocar, de ser tocado, de dar e  também receber. Percebo uma criança com expressão de surpresa (estaria em contato com  algo novo?), ao mesmo tempo em que vejo participantes que podem ser consideradas mais  “experientes de vida” e nós alunos. É um misto de pessoas com juventude, novidades e  experiências. Italo 

Eu vejo uma forte interação grupal, onde todos se uniram em um movimento de conexão  musical (troca de instrumentos, canto) e física (abraços, sorrisos, olhares) e com muitas  cores. O espaço físico mais fechado deixa as pessoas próximas e mostra ser acolhedor,  realizando mais trocas musicais e expressivas entre todos. Raquel 

Ainda vejo pessoas com suas diferentes ações e movimentos: uma tocando violão e  sorrindo, outras agachadas para escrever nas camisetas de quem está no chão, um garoto  olhando de longe para alguma coisa, uma senhora andando pela sala de cabeça baixa, a  professora de musicoterapia sorrindo, outra senhora em pé observando o que acontece, e  outra numa cadeira de rodas também escrevendo na camiseta, e ao fundo pessoas  sentadas nas cadeiras parecendo só olhar o que acontece. Rafael


Figura 3. Finalização do encontro e da experiência musical

Nesta foto eu vejo meus colegas e eu expressando num mesmo instrumento, sorrindo,  cantando, olhando para o centro, tocando no mesmo ritmo, cuidando do espaço  compartilhado, com nossas camisetas de cores e nossas personalidades diferentes mas que  se complementam. Mariana  

Lembro de nós (seis estudantes da UFG recém calouros e membros do projeto vida ativa de  2016 a 2017). Agora, em 2019, voltados uns para os outros e direcionados ao instrumento  musical, vivemos algo juntos e com as participantes da comunidade (posicionadas ao nosso  redor), todos em uma única sintonia de sonoridades e suas diferentes experiências. Beatriz  

Vejo cada um sentado no chão, em círculo, tocando o objeto sonoro percussivo com ambas  as mãos. Em nossos semblantes vejo que estamos sorrindo e 'aparentemente' fazendo sons  vocais ou cantando uma canção. Em volta, algumas pessoas estão olhando, algumas de pé  e outras sentadas e ainda alguém escrevendo nas costas de um dos monitores. São  posições diferentes num momento vivido em comum. Hidequel 

Nesta imagem vejo elementos que estão presentes em nossa equipe desde o início:  interagindo, experienciando, aprendendo e criando um vínculo intenso, num mesmo nível de  atuação. Vejo sorrisos e trocas de olhares que indicam uma auto e mútua satisfação. Nas  pessoas em volta do círculo, vejo-as como uma camada externa que nutre o que está  dentro, no centro. Ítalo 

A imagem me mostra algo importante sobre nós: estamos próximos. Seja sentados no círculo,  ou dividindo o mesmo objeto, ou com nossas mãos unidas num único ritmo em cima do  instrumento musical, nossas expressões mostram a conexão antiga do grupo, com troca de  olhares, sorrisos, alegria de tocarmos juntos e compartilhando nossos sons com as pessoas  presentes. Cada um de nós com uma cor diferente, colorindo e alegrando o ambiente. 

Raquel 

Eu vejo nós, jovens, juntos, mas com 'miradas' (direcionar o olhar) diferentes: dois rapazes  um de frente para o outro que se encaram e sorriem; duas moças que estão com os olhos  fechados; e um casal de costas que olham para alguém a frente; um rapazes olha para o  colega que está do seu lado; e outra moça olha para a colega a sua frente. As pessoas em  pé parecem olhar para os movimentos dos que estão ao centro. Rafael

Nestas narrativas escutamos e vemos não apenas descrições de imagens,  mas também 'textos internos' que trazem outros elementos não visíveis. O-que-se-vê 'dialoga' com o pensar-sentir de cada um, e os 'textos' vão se aproximando, incluindo outras narrativas. No diálogo com textos acadêmicos novos entendimentos surgem, mudando repertórios linguísticos que internalizados modificam percepções e ações, como podemos verificar nas expressões que se seguem.

Através da observação das fotos e relembrando o que vivi, eu, Mariana,  percebi modificações na formação do grupo das idosas e como se adaptaram aos  contextos diferentes, desde as visitas em domicílio até os grupos na UBS. A música  teve um papel essencial na movimentação grupal, integrando os participantes,  estimulando a expressão corporal, a comunicação expressiva e receptiva, acolhendo  pessoas, sentimentos e ideias. Na figura 2 vemos muito bem quando  musicoterapeutas e participantes se encontram pela música.

Diversos autores sustentam sobre a música auxiliando nos vínculos entre  pessoas. Ruud (1990) afirma que a música cumpre, com sua função primordial de  causar impacto, a geração de movimentos no corpo, nas emoções e nas relações. Para Cunha (2016) “nesse espaço, musicoterapeuta e grupo agem mediados por  elementos/.../ o compartilhamento de ações solidárias nas quais a sonoridade e a  musicalidade se presentificam como um agente que elicia e sustenta as relações  entre as pessoas”.(p.243). Com a estrutura rítmica que finaliza o encontro do grupo  (figura 3), lembro de Melo, Filho e Chaves (2014), afirmando que “quanto maior o  nível de envolvimento afetivo do grupo, maior o estado de coesão grupal, e,  consequentemente, uma produção sonora coesa"(p.56).

Outro fator importante é o resgate de memórias e o desbloqueio emocional  gerado por músicas que sustentaram experiências grupais positivas (figura 1),  facilitando a expressão emocional. Bruscia (2016) salienta que “ouvir música fornece  acesso fácil a nosso mundo emocional e a nossos sentimentos, memórias e  esperanças que temos experimentado em nossas vidas. A música literalmente  testemunha nossas vidas”.(p 137). Para Berger (2003),

/.../ a música, como parte integrante do comportamento humano,  existe precisamente para o propósito de expressão emocional e para  auxiliar no processo de adaptação dos seres humanos ao seu  ambiente. /.../ precisamos dela para redirecionar tensões, organizar o  comportamento e expressar emoções.(p.130) vi (tradução feita pelo  autor)

     Cada participante acrescentava um saber novo, uma canção e uma história,  enquanto através de nossas musicalidades auxiliavamos na construção do encontro.  Construía-se uma verdadeira “colcha de retalhos”, colorida pelos timbres explorados,  diversa nas diferentes formas de encarar o viver e rica pelas experiências partilhadas. Mesmo nos momentos em que o grupo se deparava com sofrimentos coletivos (luto de uma colega) ou de assuntos pessoais complexos (violência  doméstica), a música conseguia ajudar na expressão daquilo que não se conseguia  dizer, como uma metáfora da palavra (Barcellos, 2009).

Para mim, Beatriz, percebo que no encontro do grupo estão bem presentes grandes emoções -quer nas participantes quanto na equipe de monitores-, pelo  reencontro musical-físico-emocional, ao rememorarem momentos marcantes. Na  figura 3 vislumbro as diferentes formas de interação entre os participantes e alguns  elementos musicoterapêuticos valiosos: a música, a sincronia, o grupo dos  participantes e nós (como parte dele enquanto equipe).

A música se apresenta através de um instrumento integrador (Benenzon,  1988), que parece “centrar” todos nós, fazendo-nos estar numa mesma frequência  sonoro-ritmica-coporal sem que palavras fossem ditas, todos em constante troca e  comunicação por meio de olhares, sorrisos e do musical. Outro elemento que me  chama a atenção é a forma como fomos nos alinhando enquanto equipe durante a  participação na extensão até o registro desta foto. Desenvolvemos recursos internos  de "autorregulação organísmica" (Ribeiro, 1984 apud Junqueira, Lima, 2016) e ampliamos nossa escuta musicoterapêutica, compreendendo que ela vai além das  construções sonoras entrelaçando-se com todo o não-verbal presente no entorno  dessas construções sonoras. Nas manifestações sonoras das participantes, e  durante nosso próprio processo de desenvolvimento pessoal, observamos os  resultados atingidos a partir das relações constituídas através do sonoro-musical:

[...] a ampliação da autoexpressão nos idosos através do aumento da  comunicação de seus sentimentos, a interação positiva entre  gerações com demonstrações de afeto entre os membros, que sorriam e escutavam mais uns aos outros, e também o fortalecimento  grupal e individual sobre os temas trazidos. Através do canto foi  possível diluir resistências e trazer a sensação de relaxamento,  expressa nas narrativas de todos.(Gontijo, Mendes e Nascimento,  2018, p.784).

Observamos (figura 2), assim, elementos tais como: a interação do grupo por  meio das trocas musicais e de expressões positivas; a autorregulação do grupo indicada pelo fortalecimento grupal e individual dos participantes; e o recurso  musical como forma de aproximação e quebra de resistências, tal como o  instrumento integrador; e o canto de canções que assumem um papel importante ao  'diluir resistências' e facilitar a autoexpressão. Ressalto uma ressonância entre todos através da experiência musical, configurando uma união de intersubjetividadesvii,  visto que os sons que produzimos afetam o outro e os sons do outro nos impactam.

A experiência musicoterapêutica fez com que todos os participantes se  sintonizassem por meio do fenômeno musical e das lembrança e suas histórias. Nas  marcas de afeto e aprendizado que deixaram em nós -por meio de suas assinaturas  em nossas camisetas-, agora não expressam apenas as suas atitudes de grupo. Há  um espaço de constante troca e construção, onde as subjetividades se encontram e  co-constroem outras histórias.

Para mim, Hidequel, na figura 3 percebo o significado de coesão e trabalho  em equipe expresso por palavras como parceria, completude, união, consonância,  sintonia, harmonia, compartilhamento, pertencimento, equilíbrio, entre outras.  Surgiram através do contato, da entrega, do permitir-se, do doar-se e também do  receber, do aceitar, do aprender e do crescer. Vemos o resultado e fechamento de um cicloviii, algo parecido com aquelas confraternizações de final de ano quando  olhamos para trás e recordamos cada parte do caminho trilhado até aquele  momento. Agrego na minha compreensão o trecho da canção autoral feita para  homenagear as idosas do projeto neste exato momento: “A vida é uma jornada, Os  anos são a nossa estrada, Pra aprender e ensinar, Pra crescer e frutos dar”. (Santos, 2017). Para Milhomem (2007 apud Mendes Gonçalves, 1992), nós, seres  humanos, somos seres em constante construção, que no decorrer do tempo vamos  'nos fazendo' através de nossa prática/ação. O autor prossegue dizendo:

É, assim, um ser histórico, que vai se construindo no espaço social;  não é uma realidade dada, mas fundamentalmente um sujeito que vai  construindo a sua realidade. Esta construção que o homem faz inicia se com a sua relação com a natureza, que é a fonte da vida material e  essa, por sua vez, cria novas necessidades (op.cit., p. 102).

Eu, Italo, ao olhar para as fotos percebo um aspecto em comum em todas as  imagens: os olhares das pessoas (que muitas vezes se cruzam ou presentes mesmo  quando não se encontram) e exprimem uma certa satisfação. Compreendo que esta  satisfação pode se relacionar ao sentimento de pertencimento, ou melhor, à  consciência de pertencer. Como um dos aspectos que deve ser considerado ao se analisar um processo grupal, desenvolver tal ‘consciência de pertencimento’ leva o  indivíduo a tomar o grupo como referência para sua própria vida, que só se torna  possível a partir do momento em que este identifica-se e sente-se parte (Martin Baró, 1989). Desta forma, os comportamentos que sugerem o sentimento de  satisfação (figuras 2 e 3) vão além dos participantes do grupo, incluindo também os  monitores co-terapeutas e a docente musicoterapeuta.

Exercendo papéis diversos no grupo, o rol de co-terapeuta é bem recorrente nos monitores, sendo alvo de transferências das participantes (ao manifestarem  projeções de seus vínculos familiares) e em outros momentos fazendo surgir nossos  próprios fenômenos contratransferenciais ao identificarmos com suas histórias. Sinto  que ao acessar as memórias relacionadas ao projeto Vida Ativa, são evocados um  misto de sentimentos que muitas vezes se tornam difíceis de processar rapidamente,  e por dias ou até semanas após os encontros me deparava refletindo sobre o que  havia ocorrido. A música pode ser condutora de movimentos transferênciais e  contratransferênciais em um trabalho musicoterapêutico grupal em comunidade,  assumindo a função de intermediar tais fenômenos - dentro da relação  musicoterapeuta-paciente (Bruscia, 1998)-, e oportunizando uma gama de recursos  para o musicoterapeuta manejá-los.

Para mim, Raquel, compreendo que a figura 3 traz reflexões importantes,  dentre elas algo que eu realmente vivi durante a graduação ao fazer parte da história  de todos os envolvidos. Ou seja, me faz refletir sobre a conexão com os meus  colegas através do e com o fazer musical coletivo, o que refletia nas idosas ao se  integrarem conosco nos sons, levando a promoção de saúde através da música e refletindo positivamente no cuidado com o outro. Para Diniz e Oliveira (2006, p. 34),  "pensar a música sobre o foco da saúde pode parecer estranho. Porém, assim como  a saúde, a música é inerente ao homem, peculiar a ele. A música por si só é  transformadora, capaz de alterar os estados psíquicos e físicos do ser humano".

Eu, Rafael, observo nas figuras 2 e 3 uma 'conexão' entre todos, mesmo  naqueles mais distantes, aspecto que sempre me chamou a atenção como músico  ao tocar para várias pessoas. Glaser (2017) afirma que “há uma parte do cérebro  que se ativa quando nos conhecemos. É chamado de "como eu/não como eu", parte  do cérebro ou o Cortex Pré-frontal Rostromedia (RPC). Quando pensamos que as  pessoas são como nós, o RPC acende e nos conectamos facilmente”(Glasser,  2017). O autor ainda diz que,

Há outra parte do nosso cérebro que tem um impacto maior sobre  nós –e que explica a conexão profunda. Esta parte do cérebro é  chamada de Junção Temporoparietal ou TPJ. Esta parte do nosso  cérebro é ativada quando compartilhamos com os outros. Quando  compartilhamos ativamente com os outros –compartilhando segredos  profundos, compartilhando o que está em mente, compartilhando  nossos medos, nossos sonhos e nossas aspirações, o cérebro se  ilumina como uma árvore de Natal.(Glasser, 2017)ix.

Podemos ver a conexão RPC e TPJ nas ações dos monitores(figura 3), conectados por uma só música e expressão sonoro-corporal semelhantes e  sincrônicas. Segundo Glaiser (2017), o compartilhamento de algo desencadeia a  liberação de oxitocina, ativando níveis mais altos de confiança, criando um círculo  virtuoso e positivo entre pessoas. Nos participantes do grupo observamos esse  aspecto através de outros movimentos, tais como a preocupação de cada idosa em  acolher pessoas novas que entravam no grupo e possibilitar a si mesmas -e às  colegas- uma abertura para expressar suas lamentações, felicidades e anseios. Há  uma sintonia entre si, entre todos e com o que acontece no ambiente, criando uma  conexão profunda, numa relação de semelhança de ideias e vontades,  compartilhando desejos e expressando gratidão pelo acolhimento que recebido.

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Com estas diferentes narrativas, 'dando voz' aos movimentos internos e  interlocuções geradas, quando nos encontramos num espaço-tempo de escuta  mútua outras narrativas emergem, com diferentes vozes-cores, configurando nossos  diálogos colaborativos e co-construindo textos generativos de aberturas rumo a uma  comunidade de aprendizagem (Guanaes & Japur, 2008). Se determinados jeitos de  conversar faz emergir determinados mundos, fica factivel que construimos Mundo(s)  com as pessoas com quem conversamos na comunidade, ampliando nossa  compreensão para a noção de que somos co-responsáveis pelo mundo em que  vivemos. Em nossas considerações finais, compreendemos que falamos sobre  sujeitos de uma comunidade, e por sermos narradores sobre esta, formamos,  também, uma comunidade dialógica.

Eu, Profa Sandra, percebo que minha atuação se manifesta nas 'costuras',  'avessos' e 'arremates' aqui, em nosso texto, e nas atividades da extensão. Ações de  'alinhavar' as falas de cada um, 'fazer aplique' de textos e 'tecer' idéias nas  orientações e revisões. No processo de nossos encontros sonoros e escritos, importou mais 'apresentar novas cores' como palavras que abrem ao/s diálogo/s e  dirimir aquelas que fecham pessoas, percepções e aprendizagens.  Surge uma pergunta: qual/ais mundo/s co-construimos na extensão  universitária? Somente nas vozes dos sujeitos participantes, aqui os monitores  egressos, podemos perceber o alcance da extensão em suas formações  profissionais e em suas vidas:

Eu, Beatriz, ao ler as falas de todos os colegas percebi uma palavra em comum:  ‘vivência’ como ‘vivenciar’. Penso que esta foi a marca central que a extensão deixou em  todos nós e em mim. Quando Mariana, Hidequel e Rafael trazem em suas falas sobre a  empatia e a sensibilidade presentes através do uso da música na comunidade, me lembro  da 'musicalidade clínica' (Barcellos, 2004), utilizando a música com o intuito de dar voz aos  sentimentos do outro. A música dando escuta às diversas estéticas sonoras, que expressam  dados sobre aquela comunidade e sobre nós mesmos, alunos, enquanto atuantes nela.  Estar no Projeto Vida Ativa despertou uma certeza: sim, “eu aprendi com o tempo, eu  aprendi vivendo”, o aprendizado pela experiência, que parte do social para o individual  (Tabile, Jacometo, 2017).

Para mim, Italo, as falas da Mariana, Raquel e Hidequel se alinham com a minha  sobre os efeitos positivos na/da participação neste projeto de extensão. Adquirimos um  crescimento amplo que está presente em diferentes áreas, desde o desenvolvimento  pessoal até as competências profissionais. Rafael e Beatriz, ao apontarem os movimentos  de alinhamento dos monitores, me faz considerá-los como substanciais no trabalho em  equipe, avaliando o desempenho do grupo e os resultados terapêuticos obtidos. Numa  assimilação direta com a música, posso afirmar que a equipe estava em harmonia, sincronia  e sintonia, o que possibilitou um contato genuíno com o grupo, estabelecendo relações de  forma leve e natural, assim como a quebra das resistências. Ainda sobre a coesão da  equipe, um dos fatores que a viabilizou, ao meu ver, foi o prazer em participar do projeto de  extensão, sentimento comum a todos os alunos. Confesso que agora, enquanto escrevo,  constato a riqueza enorme desta atuação na minha formação. Relaciono as experiências  vividas à ideologia de Kolb(1984) que desenvolveu a teoria da aprendizagem vivencial como  resultado da ação humana sobre o ambiente, sendo a experiência -o vivenciar- base para o  desenvolvimento.

Com a fala da Beatriz, eu, Hidequel, me recordei de uma cena, em que a Profa  Sandra nos convidou para proporcionar um continente sonoro musical num momento  específico de relaxamento para o grupo, sentando frente ao piano e tendo como ‘partitura’  um cartaz com palavras e figuras sobre a depressão. Expressei sonoridades neste  instrumento e percebia que não tinha maneira certa ou errada ao tocá-lo, apenas a minha  musicalidade em favor do autoconhecimento de outra pessoa. Se tornou uma experiência  única na minha formação! Participar do projeto Vida Ativa foi decisivo na minha prática  clínica, como momento de lapidação para minha musicalidade, sensibilidade e empatia,  desenvolvendo o olhar humano para o outro e ampliando minhas reflexões. Para o  estudante calouro, que sente 'na pele' o misto de emoções ao se deparar com o novo  (Aguirre, 2000) -não apenas de uma profissão ou um curso diferente mas o contato com a  comunidade-, percebo que passamos por todas as fases possíveis durante esse processo  de aprendizagem e crescimento, autocuidado e cuidado com o outro. Aprendemos, na  prática, que na musicoterapia social/comunitária lidamos com o micro no macro e vice versa,  e que até mesmo a rua pode ser um espaço de cuidado, uma clínica ampliada (Dreher,  2011).

Inclusive, Italo, eu Beatriz, através de sua fala me lembro sobre o “sentimento de  pertencer” que você citou. Me fez pensar sobre a forma como as canções reforçavam esse  sentimento por meio da inclusão de todos na construção sonora coletiva. Todos eram  pertencentes ao espaço e ao grupo dentro daquele 'momento sonoro', no qual a produção  de cada um - dentro da “teia sonora” - era validada e acolhida. Esse movimento de  acolhimento mútuo, feito de “amarras sonoras”, é descrito por Sá(2002) como um espaço de  segurança e confiança.

Eu, Hidequel, ainda me identifiquei com a fala do Rafael quando menciona seu  aprendizado sobre 'preconceito musical'. Foi novidade perceber que músicas, canções e  gêneros musicais, muitas vezes mencionados de forma pejorativa em algumas rodas de  conversa, podiam promover a melhora no humor e até mesmo na qualidade de vida de uma  pessoa (ou em várias) dentro de um grupo. Foi impossível desvincular o que estávamos  aprendendo em sala (ainda no inicio do curso) com o que viviamos no projeto de extensão.

Eu, Rafael, concordo plenamente com a Mariana quando diz que a música traz  resgates de memórias favorecendo desbloqueios emocionais. Lembro o quanto as senhoras  se transformavam após um período de vivência no vida ativa, melhorando suas expressões,  se doando mais, sorrindo, chorando e se permitindo ser mais 'falantes', se doando cada dia  mais. Seguindo na mesma linha, a Beatriz, que carinhosamente é conhecida por nós como  Bia, fala da integração de todos nós através da música. Acredito que seja uma  consequência do desbloqueio emocional citado pela Mariana, pois a partir do momento em  que há uma abertura emocional há também uma identificação com o grupo e consequente  uma maior integração. É importante lembrar que quando as senhoras se permitiam interagir  com o grupo surgia um novo sentimento, citado muito bem pelo Ítalo: sentir pertencimento.  Aqui me lembro de quando iniciei no projeto de extensão Vida Ativa durante o fim do meu  curso preparatório de música para entrar na universidade. Foi um período muito  enriquecedor, pois consegui visualizar a música reverberando dentro de cada um, vendo  pessoas com vários gostos musicais, canções que representavam a história de vida, e a  trajetória percorrida por elas sentindo-se empoderadas, derrubando toda timidez, medo ou  receio, compartilhando suas dores, alegrias, vivências, bem como lágrimas e sorrisos.  Hidequel realmente compreendeu o que aprendi sobre não ter preconceito musical: perceber que cada música, por mais simples que fosse, tinha uma importância ímpar para  as pessoas, movimentando o mundo interior de cada uma.

Eu Raquel, ao ler o diálogo do meu colega Italo, quando diz que “a equipe estava  em harmonia, sincronia e sintonia”, dialoga com o que havia dito sobre a nossa conexão  enquanto equipe, sempre refletida positivamente nos resultados. Foi incrível vivenciar tudo  isso com meus colegas, porque sempre havia uma comunicação entre nós, mesmo que não  verbal, fator que motivava a fazer o meu melhor e transmitir isso para o grupo. Assim,  quando a Beatriz e Itálo relembram sobre o “sentimento de pertencer”, entendo que as  atividades musicoterápicas realizadas fortaleciam a participação grupal, dando voz aos  pensamentos das idosas que mesmo em suas limitações físicas e emocionais não deixavam  de participar e se incluíam dançando, cantando e etc. Me identifico também com a fala dos  meus colegas, Rafael e Mariana quando descrevem suas relações com a teoria e a prática,  que nessas trocas de estudar e vivenciar muito foi acrescentado aos nossos conhecimentos.  Em particular, me auxiliaram também na escuta e análise antes e após as intervenções de  musicoterapia. Então, participar do projeto de extensão - ter o privilégio de executar as  atividades/vivências junto com as idosas, minha professora e meus colegas-, foi  transformador para mim enquanto aluna. Hoje, como profissional, relembrando afirmo: sem  dúvidas foi algo especial e transformador para todos nós. Participar do projeto Vida Ativa me  proporcionou muitos sorrisos, um misto de sentimentos que é difícil descrever em palavras,  que me transformaram, fez de mim uma pessoa, uma profissional melhor e que com certeza  irei carregar dentro de mim para o resto da vida. Desta forma, o trabalho em equipe, a presença da música, o vinculo com as participantes e os profissionais, fazem parte da  profissional musicoterapeuta que me tornei.


Ao escutar os colegas, eu, Rafael ainda deixo aqui meu relato -de alguém que  escolheu se dedicar ao estudo do instrumento musical- que compreende o quanto é  importante ter acuidade durante o estudo musical, fazendo os sons se integrem ao Ser do  performance músico. Se preparar bem antes da apresentação musical – do fazer música proporciona segurança e, como consequência, uma apresentação que expressa a  musicalidade do instrumentista, como algo essencial para que a música invada a alma de  quem ouve proporcionando a integração entre o instrumentista e o espectador. Essa  preocupação com o 'ouvinte' eu adquiri participando do projeto vida ativa, grande lição para  minha vida profissional.


Eu Mariana, me lembro da época em que meu amigo Rafael dizia para a turma, em  2016: “véi, vocês precisam participar do Vida Ativa!” Mas, gente?! O que era Vida Ativa? Nós perguntávamos e ele explicava com 'brilho nos olhos'. Isso me afetou, me impulsionou a  entrar neste projeto e hoje eu escrevo com os olhos brilhando: o projeto Vida Ativa é colo  que consola, sorriso que envolve, coração que escuta, abraço que acolhe, olhar que  compreende, música que contagia, vida que ensina, corpo que movimenta e movimento que  transforma. Conexão e coesão foram palavras recorrentes em nossos discursos. Falas tão  iguais mas tão únicas como as cores de nossas camisetas e os retalhos dos fuxicos do  estandarte do Vida Ativa (presente na figura 2, na parede da sala). Quando Hidequel fala  sobre “trabalhar o micro no macro” penso em nossa trajetória na faculdade e como fomos  nos tornando um grupo -com musicoterapeutas, músicos-, cada qual com suas habilidades  próprias. Concordo com Beatriz quando diz que o projeto de extensão nos ajudou a 'diluir  resistências', e com Italo quando ressalta a importância do olhar ou da atitude de  comunicar-se pelo olhar. Consigo visualizar o lugar seguro construído pelo espaço  musicoterapêutico descrito pelo Rafael, e consigo me identificar com a Raquel quando diz  que todas as experiências, pessoas e músicas fazem parte da profissional que me tornei. A  experiência no projeto foi nos orientando nos estudos, nos ajudando na comunicação com  as diferentes pessoas, respeitando as histórias de vida de cada um, lidando com fracassos e  perdas, alegrias, tristezas, ideias e lanches. Participar do projeto de extensão me ensinou a desenvolver o elemento-base para uma atuação musicoterapêutica, como diz Bruscia  (2016): a empatia. Me ensinou a estar presente para o meu cliente, a valorizar sua história  de vida, a aceitar o que me oferece. Me ensinou a trabalhar em grupo e ampliar a força da  ação em conjunto. Me ensinou a sentir o som e o transformar em música que comunica,  interage, dá suporte e integra. Com uma canção do 'Grupo 5 a Seco' (Brandileone;  Calderoni) finalizo meu aprendizado: “Por ser daqui (...) Recolho as impressões, curo  desilusões e faço algum refrão das coisas que vivi. Concentro as emoções, miro nos  corações e canto aquilo que eu vou ser por ser daqui”, ...por ser do Vida Ativa!


Quizera fazer novas cores-vozes emergirem – as narrativas ou feedbacks das  pessoas da comunidade- para mostrar a paleta ou o mosaico de possibilidades que  a extensão pode propiciar na formação acadêmica inserida numa comunidade, o que  estenderia em demasiado o limite de nosso texto. Acreditamos que frente aos  acontecimentos vividos na extensão, nós (agora colegas musicoterapeutas  sociais/comunitários, aluno de música, profissionais de outra área e comunidade),  conversamos constante e intermitentemente com diversos diálogos intra e  interrelacionais entre e de todos os envolvidos. Uma verdadeira 'conversação' ou interlocução entre intersubjetividades configurando um "discurso polifônico", ou  espaços-tempos com uma "ênfase polivocal do discurso".(Nascimento, 2010).  Colocando outras cores/palavras em nossas narrativas abrimos possibilidades  para outras ações, pois ‘o modo de descrever o mundo e nomeá-lo constroem este  mundo’ e ‘não podemos fazer algo diferente se não pensamos diferente’ (como  afirma J.Schotter e nas palavras de Harlene Anderson, ao conhecê-los num  simpósio no México em 2014).


    Inimaginável as paisagens visual, sonora e sociorelacionais (Nascimento,2010) que emergiram, emergem e podem surgir deste estar-viver construir em comunidade. Na letra da canção Comunhão da Terra (Holanda, Barroncas, Siqueira, 2003), ressoamos as sonoridades que desejamos serem presentes junto as pessoas e com elas co-criar o Mundo que desejamos ver-viver-criar :

É tempo ainda de amar sem fronteiras, do Amor ser a bandeira de união do mundo  inteiro. Ainda creio que essas cores separadas serão flores perfumadas em um só canteiro.  /.../ Eu canto forte esta canção que encerra a Comunhão da Terra pela soma dos quintais.  Mas pergunto ao Criador que fez a gente por que assim tão diferentes para sermos iguais.

Tornemo-nos mais flexíveis, mais espontâneos, mais humanos, mais  multicoloridos e multiexpressivos para sermos ‘um Ser humano ao encontro de outro  Ser humano’ (escuto ao longe as palavras de C.Jung). E neste encontro, através de  nossos 'textos polivocais existenciais', que possam ser geradas novas vozes,  considerando que "as palavras são como mãos que tocam pessoas" (assim como  diz John Shotter). Que as nossas sonoridades possam fazer emergir Trans-Formaçõesx no estar-viver-construir-comunitário, tocando seus-nossos sonhos e  gerando escolhas-movimentos criativos e saudáveis. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Discografia:
BRANDILEONE, T; CALDERONI, V. Interior. Pausa. Banda 5 a seco. São Paulo,  Produção independente, 2019.
HOLANDA, Adalberto/ BARRONCAS, Eliberto/ SIQUEIRA, Márcia. Comunhão da  Terra. Album Missa Cabocla, uma Prece Amazônica. Released on: 2003-08-31.  Grupo Raizes Caboclas. Licenciado para o Youtube por ONErpm (em nome de  Raízes Caboclas). Disponivel em <https://youtu.be/UFPbgSZHhel>, acesso em  23/09/2020.
SANTOS, H. F. O Tempo - Banda Musicoterapirados. Apresentação ao vivo no XVII  ENPEMT e IX ENEMT. Released on: 2017-10-16. Licenciado para o Youtube por  Musicoterapirados. Disponivel em <https://www.youtube.com/watch?v=diwIpzrHdB0 >, acesso em 30/09/2020.


_______Notas de Fim:
iMusicoterapeuta Social/Comunitária. Doutora em Educação. Docente do Curso de Musicoterapia/EMAC/UFG e  coordenadora do projeto de extensão Vida Ativa. sandrarocha@ufg.br /srochadonascimento@gmail.com. Musicoterapeuta.
ii O Projeto de extensão Vida Ativa, vinculado a extensão universitária desde 2013, esteve inserido nas  ações do Laborinter (Laboratório Interdisciplinar de Educação em Saúde Comunitária), do Curso de  Musicoterapia da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás em Goiânia-Goiás-Brasil.  Entre 2013 a 2018 foi desenvolvido numa residência rural (chácara) do bairro, sendo posteriormente levado  para dentro da UBS São Pedro- Aparecida de Goiânia. Os encontros são realizados semanalmente no período  vespertino, num bairro da região metropolitana de Goiânia-Goiás/Brasil. Dentre as ações básicas temos,  sequenciadamente: o translado dos domicílios até a unidade de saúde (e retorno), efetivado através de  transporte veicular fornecido pela Divisão de Transporte/UFG; acolhimento comunitário, realizado por qualquer  pessoa do grupo e/ou por monitores/docente da equipe; ações de musicoterapia preventiva psicossocial através  de diversos dispositivos técnico expressivos (Pellizzari & Rodrigués,2005; Pellizzari,2011), facilitadas pelos  musicoterapeutas, integradas ou não a outras atividades propostas trazidas por monitores de outros cursos;  ações de cuidado e orientações sobre saúde, pelas ACS e/ou enfermeiras da Unidade Básica de Saúde(UBS);  lanche comunitário, agregando 'quitutes' trazidos pelas idosas e a UBS; atividade de alongamento; retorno aos  domicílios. O Laborinter tem como objetivo inserir os acadêmicos (de diversos cursos) em cenários de prática  comunitária (quer nos dispositivos de atenção a saúde e atenção psicossocial à saúde mental quanto em  unidades educativas locais), bem como construir parcerias com os sujeitos da comunidade e profissionais dos  contextos da saúde da família e educação, favorecendo ações de promoção da saúde integral aos participantes  locais. Já participaram do projeto acadêmicos dos cursos de Musicoterapia, Odontologia, Biomedicina, Educação  ambiental, Teatro, Artes Visuais, Ciências Sociais, Nutrição, Música, Pedagogia, proporcionando o  desenvolvimento da interdisciplinaridade e interprofissionalidade.
iii Inspiramos no livro Educação Popular na formação Universitária (2013), de Eymar Mourão Vasconcelos (2011),  que apresenta os diversos depoimentos dos acadêmicos que participaram de suas ações extensionistas. Esta  forma de apresentação alinhou-se com a perspectiva das práticas dialógicas e colaborativas do Construcionismo  Social que primam por dar voz aos sujeitos implicados nas ações.
iv Consideramos que nossas análises dos dados da extensão são semelhantes às das pesquisas. Como aporte  teórico utilizamos a Fenomenologia Existencial Merleau-Pontyana, sob três dimensões discursivas  fenomenológicas (Rezende, 1990 apud Nascimento, 2010): a análise descritiva (falamos dos dados como se  apresentam, sem inferências ou interpretações categorizadas); a análise compreensiva e interpretativa  (destacamos "elementos ou fatores" para um aprofundamento, apresentando outros diálogos ou textos  conceituais).
v Os dados foram obtidos no banco de dados do LABORINTER/EMAC/UFG, sobre as atividades do projeto de  extensão universitária Vida Ativa. Todos os indivíduos apresentados nas fotos assinaram termo de autorização  ao uso de imagem. As fotos foram escolhidas por consenso, dentro de uma seleção aleatória inicial apresentada  aos autores.
vi “/.../ music, as part and parcel of human behavior, exists precisely for the purpose of emotional expression, and  to assist in the adaptation process of human beings to their surroundings. In short, our brains conceived music  because we need it to redirect tensions, to organize behavior and to express emotion.” (Berger, 2003, p.130).
vii A intersubjetividade aqui é compreendida a partir da visão de Merleay-Ponty, sobre a qual Copalbo (2008,  apud Nascimento, 2010 p. 282) pontua que o autor descreve-a como uma “pluralidade dos sujeitos”. Nascimento  (2010) amplia, afirmando que: "/.../ não são apenas os fatos subjetivos que influenciam em cada sujeito em suas  interações, mas os fatos sociais manifestos nos objetos construídos ou não, nas ações realizadas ou não,  carregados de representações e aspectos ideológicos, tangenciados pelas histórias de vida de cada sujeito /.../."  (Nascimento, 2010, p.282-283).
viii Este encontro, realizado na data de 21/11/2019, tinha como objetivo realizar lembranças de momentos vividos  em anos anteriores e efetivar um momento de fechamento dos vínculos das participantes da comunidade com  os monitores, visto que logo estariam finalizando sua formação universitária.
ix Disponível em <https:// http://pt.psy.co/psicologia-da-conexo-profunda.html/>, Acesso em: 16 maio. 2020.
x Nascimento (2010) refere ao termos Trans-Formação como uma formação que transforma, uma mudança para  "além de" , transpondo modos de pensar, sentir e agir usuais para novas percepções e ações.


Referência para citação deste artigo:


NASCIMENTO, S.R. et all. SONORIDADES QUE CONSTROEM DIÁLOGOS COLABORATIVOS E TRANS-FORMAÇÕES NO ESTAR-VIVER-CONSTRUIR COMUNITÁRIO: A MUSICOTERAPIA SOCIAL NA EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA. In: ENCONTROS EM MUSICOTERAPIA: Temas em ensino, pesquisa e extensão/ Fernanda Valentin, Claudia Regina de O. Zanini, Eliamar A. Fleury Ferreira, Mayara Kelly Alves Ribeiro, Tereza Raquel de Melo Alcântara-Silva, Sandra Rocha do Nascimento (organizadoras)- Curitiba: CRV, 2021. (p. 63- 81)